segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Olimpíadas motivam projetos, mas educação física ainda patina nas escolas do Rio

Doutor em Ciências do Esporte, o professor da Uerj Luiz Alberto Baptista cita ser consenso que, para bons resultados, o esporte deve ser praticado três vezes por semana, em períodos de aproximadamente uma hora e meia. 
Mas as escolas ainda reduzem a disciplina ao tempo que sobra.
 Para ele, a educação física precisa contemplar desde o ensino infantil.

De vez em quando, o diretor adjunto do Ginásio Experimental Olímpico Juan Antonio Samaranch, Marcelo Laignier Rolim, saca uma Nikon D7000 para fotografar seus alunos.
– Gosto de registrá-los sorrindo. É a maior prova de que fazemos um bom trabalho – diz.
Localizada em Santa Teresa, a escola de Rolim pertence à rede municipal e é uma das três construídas dentro de um modelo cuja proposta é o funcionamento em tempo integral vocacionado ao esporte. São 535 alunos, do 6° ao 9º ano. Além de aulas, eles aprendem e treinam dez modalidades, como natação, atletismo e esportes de quadra. O corpo docente tem 35 professores, incluindo dez treinadores, sendo 50% mestres.
– Todas as atividades são discutidas em conjunto com os alunos, que são direcionados a atividades conforme o perfil. Trabalhamos a tríade aluno, atleta e cidadão. E eles precisam se sair bem em todos os aspectos – explica Rolim.
Sem problemas como evasão e violência, os alunos que deixam o ginásio têm conquistado vagas em escolas renomadas e levam na mochila uma robusta coleção de medalhas.
– A ênfase no esporte faz com que nossos alunos tenham o espírito de competitividade e a noção de serem capazes de superar seus desafios com as próprias pernas – resume Rolim.
Além da unidade de Santa Teresa, a prefeitura inaugurou, em 2013, outros dois ginásios, em Pedra de Guaratiba e no Caju, com capacidade para 350 alunos cada. Até o final de 2016, estão previstos mais dois: nas vilas olímpicas de Honório Gurgel e do Juquiá, na Ilha do Governador.
Os ginásios estão entre as bandeiras da prefeitura como legado das Olimpíadas para a educação. Mas, para especialistas, por mais bem-sucedida que seja, a iniciativa e outros programas suscitados pela competição ainda são bastante pontuais.
– Tradicionalmente, a educação física é trabalhada no Brasil de forma limitada, reduzida a alguns esportes. E nem dentro dessa limitação a disciplina está bem resolvida. Caso contrário, haveria quadras, vestiários e equipamentos em boas condições em todas as unidades. Projetos como os ginásios são ilhas de excelência dentro de uma rede com centenas realidades diferentes – avalia o coordenador da capital no Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, Roberto Alves Simões, professor de educação física nas redes estadual e municipal.
Simões cita como exemplo a Escola Municipal Soares Pereira, na Tijuca, onde atua desde 2002:
– O espaço para a prática de esportes tem o chão deteriorado. Dois banheiros que poderiam servir de vestiários estão interditados. Como não há cobertura, ficamos expostos a chuva e sol. Redes, bolas e traves também estão ruins.
A prefeitura diz que o espaço não tem viabilidade técnica para receber cobertura. Mas afirmou que estão previstas, para este ano, aquisições de equipamentos esportivos, recuperação dos banheiros e pintura.

ATIVIDADE É FEITA NO TEMPO QUE SOBRA
Doutor em Ciências do Esporte, o professor da Uerj Luiz Alberto Baptista cita ser consenso que, para bons resultados, o esporte deve ser praticado três vezes por semana, em períodos de aproximadamente uma hora e meia. Mas as escolas ainda reduzem a disciplina ao tempo que sobra. 
Para ele, a educação física precisa contemplar desde o ensino infantil.
– É preciso difundir a visão de que se movimentar é uma forma de expressão. Vários estudos mostraram que quem possui dificuldade com isso acaba enfrentando barreiras cognitivas.
O professor Lino Castellani, que coordena o Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer da Unicamp, concorda. Para ele, os jogos não tiveram impacto que se colocasse como parâmetro de novas práticas pedagógicas, capazes de fazer a educação física superar seus limites históricos.
– Pelo contrário, o que assistimos foi ao recrudescimento da defesa de uma educação física centrada nos parâmetros da performance esportiva – diz.
A secretária municipal de Educação do Rio, Helena Bomeny, por sua vez, afirma que um conceito mais global da educação física está sendo difundido na rede, a partir de um currículo próprio e programas de capacitação de professores. Segundo ela, também houve progressos na infraestrutura:
– Temos 1.008 escolas de ensino fundamental e, dessas, 632 têm quadras esportivas. Desde 2009, 67 unidades ganharam quadras e três outras estão com processo de aprovação para execução. Mas temos escolas onde não é possível construir. Para isso, temos parcerias com clubes e associações. Também contratamos mais de mil professores na área.
Na visão de Helena, o maior legado do mundial será o fomento ao debate sobre valores olímpicos, que traduzem um conceito universal de cidadania plena:
– Essa discussão está em todas as escolas, independente de ter quadra ou não.
Na rede estadual, também foram feitas mudanças curriculares para que a disciplina fosse compreendida de maneira mais moderna, e há programas em curso. Um desses programas é o Transforma, executado em parceria com o Comitê Rio 2016, cujo objetivo é levar valores olímpicos e novos esportes às escolas. Isso acontece através do treinamento presencial e on-line de alunos, coordenadores pedagógicos e professores de educação física.
– Queremos utilizar o esporte para fortalecer os valores olímpicos. Para isso, além dos treinamentos e dos materiais didáticos, o Transforma lança desafios que estimulam a reflexão, a integração e a criatividade – explica a gerente-geral de Educação do comitê, Mariana Behr.
Segundo ela, o projeto está em cerca de 350 escolas públicas e particulares do estado do Rio, alcançando 177 mil alunos. Para este ano, estão previstas cerca de 11.300 vagas e expansão para mais cidades.
No âmbito das particulares, o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado do Rio de Janeiro, Edgar Flexa Ribeiro, não observa impactos das Olimpíadas dentro das instituições:
– A escola é um organismo inserido na sociedade. Os Jogos representarão para a escola aquilo que representarem para todo mundo. Pode ser que, no futuro, existam consequências maiores.

ORÇAMENTO NÃO PRIORIZA ESCOLAS
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas Pedro Trengrouse, mestre em Gestão, Marketing e Direito do Esporte, alguns programas colocados em prática mostram que, de fato, existiram avanços. Mas ainda é muito pouco.
– O principal financiador dos Jogos é o governo federal. E, quando olhamos para o orçamento do Ministério do Esporte, percebemos que mais de 90% estão na Secretaria de Alto Rendimento, enquanto a Secretaria de Esporte Educacional tem um orçamento muito pequeno. Isso já m
ostra como escola não é prioridade – observa.
Trengrouse destaca que, diferente de países como os Estados Unidos, a base de formação dos atletas no Brasil não vem de escolas, mas de clubes.
– A prioridade deveria ser os Jogos servindo ao Brasil, e não o contrário. Ao que tudo indica, o resultado será bem parecido com o da Copa, quando o mundial passou por aqui e deixou o futebol brasileiro para trás – prevê.


Matéria publicada pelo site Eu Atleta

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