quarta-feira, 23 de abril de 2014

Obesidade infantil pode causar fracasso psicomotor

Pais desempenham papel fundamental na prevenção e no tratamento do sobrepeso na infância.

O nosso corpo é o nosso principal referencial de espaço e é com ele que lidamos com o meio que nos cerca – objetos, pessoas etc. Para as crianças que estão acima do peso, alguns movimentos tornam-se difíceis e o próprio peso acaba sendo um limitador para que elas queiram se inserir nas brincadeiras – ainda mais naquelas que envolvem grupos e nas quais se sentem excluídas. Com baixa autoestima, as crianças acima do peso tornam-se ainda mais sedentárias e sentem-se desmotivadas a tentar participar de qualquer tipo de atividade, atrapalhando no seu desenvolvimento psicomotor.

José Leopoldo Vieira é educador físico, pedagogo e Dr. em Psicomotricidade Relacional do Ciar (www.ciar.com.br) e conta que essa dinâmica colabora para que a criança obesa deseje participar cada vez manos das atividades físicas, enfatizando sua dificuldade em relação à integração nos grupos, à sua falta de habilidade em se deslocar e se situar no espaço e, consequentemente, seu manejo com os objetos, pois fica desencorajada a enfrentar desafios que demandam mais habilidade física. 
“Esse quadro contribui para que a criança obesa entre naquilo que chamamos de profecia autorealizadora, pois ela passa a acreditar no que falam negativamente sobre ela, ou seja, que é lenta; desajeitada; frágil; que não anda, mas sim se arrasta; que não tem fôlego; entre outros. Tudo isso desencadeia um processo negativo em relação à suas habilidades relacionais, à presença no mundo, à sua expressividade no espaço.”

Obesidade infantil: educação física nelas – mas com moderação!

Um dos principais desafios do profissional de educação física ao lidar com crianças obesas está em fazê-la ter vontade de participar das atividades em grupo ou individuais e mostrar que elas são capazes de realizar os movimentos e emagrecer. Além da baixa autoestima, a obesidade infantil traz dificuldades de equilíbrio e movimento, pouco fôlego e a vergonha de se expor.

Para Vieira, o interessante seria propor, inicialmente, atividades com menor grau de dificuldade para que elas se sintam confiantes e passa a ter prazer em realizar o movimento. “Aos poucos, dentro de uma progressão pedagógica, busca-se ampliar os limites da criança, pois assim podem desfrutar dos benefícios dessas atividades, evitando contatar em demasia com a frustração de sentir-se incapaz no cumprimento de algumas tarefas”, completa.

A participação dos pais, professores e cuidadores é essencial para manter a motivação da criança

Dessa forma, é imprescindível que reconheçam o esforço e elogiem o progresso dos pequenos. Se os pais puderem participar das atividades, ainda será mais positivo, pois a criança a relacionará a um conteúdo afetivo e prazeroso e terá mais segurança para se exercitar.

Por meio de jogos, o profissional de educação física pode auxiliar a criança obesa a adquirir habilidades necessárias aos seus desenvolvimentos psicomotor e emocional e a escola deve ficar atenta ao comportamento dos alunos para facilitar a integração ao grupo e as situações de bullying.

O sedentarismo leva a uma falta de resistência física que expõe as dificuldades da criança obesa perante seus colegas.
Os adultos têm a responsabilidade de ajudá-la a praticar exercícios físicos, sempre respeitando seus limites físico e emocional, com progressão de dificuldade que demonstre para a própria criança o quanto ela está evoluindo.

“Com as atividades espontâneas vivenciadas no ‘setting’ da Psicomotricidade Relacional, a criança pode contatar com o despertar do desejo de fazer, construir, expressar-se, existir. Além disso, o contato com a agressividade positiva*, tanto a sua quanto a do outro, possibilita a afirmação de sua identidade no grupo. Assim ela pode se sentir capaz de defender a si, ao seus objetos, ao seu espaço para, enfim, viver o prazer, assumir seu desejo e, consequentemente, elevar sua autoestima”, diz Vieira.

Obesidade infantil: os pais como vilãos

A obesidade infantil é um problema multifatorial. A nutricionista Ana Carolina Hingel (https://www.facebook.com/anacarolinanutricionista?fref=ts) destaca que o risco de desenvolver obesidade na infância começa desde a gestação, quando a mãe se deixa levar pela fome e engorda demasiadamente; o tipo de parto – “até isso está relacionado a um organismo saudável para a criança!” -, o aleitamento materno etc. “Quanto mais cedo o bebê é retirado do ‘peito’, mais chances essa criança terá de desenvolver obesidade no futuro.”

Além disso, a alimentação vai além de uma necessidade biológica, segundo afirma a psicóloga especialista e mestre em Psicomotricidade Relacional Ana Elizabeth Luz Guerra, do Ciar: “ela possibilita que exista uma vinculação entre pais e filhos, na medida em que se configura numa comunicação profunda entre eles que se inicia já nos primeiros momentos da vida”. O choro causado pela fome passa a ser acompanhado pelo desejo de estar com o outro em uma dinâmica que segue por toda a vida e que passa a ser celebrada ao redor da comida. Ana lembra que cozinhar para um filho, mesmo adulto, pode significar um gesto de amor e o filho, ao desfrutar dele, simbolicamente, recebe o amor de seus pais.

O problema acontece quando os pais passam a estimular as crianças a vincularem carinho ao alimento

“Há casos em que a família acaba superalimentando a criança para preencher uma falta na relação, seja de tempo ou de afeto”, diz Ana Elizabeth, “os pais, às vezes, se sentem culpados por algum motivo e equacionam uma lógica de que nada pode faltar e, dessa forma, enchem a criança de brinquedos, comida e permissividade”. Com esse comportamento, os pais acabam desencadeando problemas de comportamento e até de saúde nos filhos, pois acabam permitindo que a obesidade chegue e se instale na vida dos pequenos, com todas as suas consequências.

O excesso de proteção, assim como sua falta, são ruins para o desenvolvimento infantil, pois coloca a criança numa relação de dependência afetiva. Ana Elizabeth lembra que os pais podem ter dificuldade para frustrar os filhos também na hora de escolher o que comer e, assim, a criança decide o que vai ingerir e acaba desenvolvendo hábitos alimentares pouco saudáveis.

Algumas famílias se orgulham de uma criança obesa, pois ela representa “fartura”, enquanto outras têm noção dos danos, mas não conseguem impor limites. Há casos ainda em que os pais apresentam um relacionamento conturbado com a alimentação e acabam transmitindo isso aos filhos, que os imitam. “Muitos pais só percebem a dimensão do problema depois que a criança apresenta alergias, intolerâncias e alterações clínicas e laboratoriais importantes. Aí entramos com o tratamento”, diz Ana Carolina.

Criança na balança

Até algumas décadas a ideia de que crianças poderiam fazer dieta era algo inconcebível. Apenas aquelas com alergias e intolerâncias é que seguiam regras mais específicas em relação à alimentação. Todavia, com a mudança no estilo de vida das famílias, a obesidade se tornou um problema mundial e um risco para a saúde de crianças de ambos os sexos, tornando a dieta uma alternativa para o tratamento da turminha.

Ana Carolina conta que a dieta, para crianças, funciona mais como uma educação alimentar para ensiná-la o que é comer de forma saudável. Há uma substituição dos alimentos que levam ao aumento de peso por outros mais nutritivos. “Gosto de fazer trocas inteligentes e saudáveis. A restrição total é muito difícil nessa fase da vida, até porque esta criança terá contato com alimentos muito ricos energicamente e pobres nutricionalmente em festinhas no colégio e com os amigos. E não precisamos restringir nada completamente, apenas, claro, em casos de intolerâncias, alergias e disfunções”, explica. A criança precisa entender porquê algumas substituições estão sendo feitas para que a dieta seja bem-sucedida.

O papel dos pais e dos educadores com a obesidade infantil

Muitas crianças reclamam do sabor e da textura de frutas, verduras e legumes – alimentos essenciais em qualquer dieta. Para eles, Ana Carolina indica o auxílio dos pais, que devem dar o exemplo: “se os pais não comem esse tipo de alimento, por que a criança deve comer? Fora que é importante explicar a importância de cada um deles para a saúde, dizendo o que é, quais vitaminas têm e o que acontece quando há a falta dessa vitamina”.

“A alimentação familiar é fundamental para a criança adquira bons hábitos. A relação dos pais com a comida e a consciência de que podem estar contribuindo positivamente ou negativamente para a saúde do filho deve ser investigada”, diz Ana Elizabeth. A família deve buscar auxílio profissional multidisciplinar, com terapeutas, médicos e nutricionistas para ressignficar sua relação com a comida e com o ato de alimentar os filhos e para ajudar a criança a se encontrar.

As escolas deveriam ter aulas de educação nutricional para ajudar a conscientizar as crianças da importância de uma alimentação equilibrada

A nutricionista lembra que algumas cantinas já substituíram os salgados fritos e os refrigerantes pelos sucos e salgados assados e há escolas que proíbem os alimentos altamente calóricos nas lancheiras. “Porém esse conceito ainda não está completamente disseminado e há pouca oferta de alimentos realmente saudáveis para uma substituição inteligente.”

Vieira reforça ainda da importância de conscientizar os pais da necessidade de incluir as atividades ao ar livre nos programas familiares para que os pequenos não se tornem sedentários. 

Ana Elizabeth conclui destacando que “em meu trabalho clínico com a Psicomotricidade Relacional percebo um aumento significativo de crianças com dificuldades emocionais relacionadas à obesidade. A imagem que tem si, muitas vezes distorcida, contribui para um quadro de isolamento em que ela nega o que mais deseja, que é interagir com os demais. Dessa forma, é importante que a família, a escola e todos que se relacionam com a criança estejam atentos aos seus comportamentos sintomáticos, pois são, em geral, mensagens endereçadas aos outros e que ela, sozinha, não consegue decifrar”.

*Segundo André Lapierre, criador da Psicomotricidade Relacional, a agressividade é um dos componentes da pulsão de vida.

Por Jornalismo Portal EF

Consultoria Técnica: Inara Silva de Moura  - Graduada em educação Física(UNIMONTE)Especialista em Psicomotricidade Relacional (CIAR), pós-graduada em Fisiologia do Exercício, membro titular da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP), membro da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (ABMP). E-mail: inarassantos@hotmail.com / http://www.sermotriz.com

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