“Esse quadro
contribui para que a
criança obesa entre naquilo que
chamamos de profecia autorealizadora, pois ela passa a acreditar no que
falam negativamente sobre ela, ou seja, que é lenta; desajeitada;
frágil; que não anda, mas sim se arrasta; que não tem fôlego; entre
outros. Tudo isso desencadeia um processo negativo em relação à suas
habilidades relacionais, à presença no mundo, à sua expressividade no
espaço.”
Obesidade infantil: educação física nelas – mas com moderação!Um dos principais desafios do
profissional de educação física ao lidar com
crianças obesas
está em fazê-la ter vontade de participar das atividades em grupo ou
individuais e mostrar que elas são capazes de realizar os movimentos e
emagrecer. Além da baixa autoestima, a
obesidade infantil traz dificuldades de equilíbrio e movimento, pouco fôlego e a vergonha de se expor.
Para
Vieira, o interessante seria propor, inicialmente, atividades com menor
grau de dificuldade para que elas se sintam confiantes e passa a ter
prazer em realizar o movimento. “Aos poucos, dentro de uma progressão
pedagógica, busca-se ampliar os limites da criança, pois assim podem
desfrutar dos benefícios dessas atividades, evitando contatar em demasia
com a frustração de sentir-se incapaz no cumprimento de algumas
tarefas”, completa.
A participação dos pais, professores e cuidadores é essencial para manter a motivação da criança
Dessa
forma, é imprescindível que reconheçam o esforço e elogiem o progresso
dos pequenos. Se os pais puderem participar das atividades, ainda será
mais positivo, pois a criança a relacionará a um conteúdo afetivo e
prazeroso e terá mais segurança para se exercitar.
Por meio de jogos, o
profissional de educação física pode auxiliar a
criança obesa
a adquirir habilidades necessárias aos seus desenvolvimentos psicomotor
e emocional e a escola deve ficar atenta ao comportamento dos alunos
para facilitar a integração ao grupo e as situações de bullying.
O
sedentarismo leva a uma falta de resistência física que expõe as dificuldades da
criança obesa perante seus colegas.
Os adultos têm a responsabilidade de ajudá-la a praticar
exercícios físicos,
sempre respeitando seus limites físico e emocional, com progressão de
dificuldade que demonstre para a própria criança o quanto ela está
evoluindo.
“Com as atividades espontâneas vivenciadas no
‘setting’ da Psicomotricidade Relacional, a criança pode contatar com o
despertar do desejo de fazer, construir, expressar-se, existir. Além
disso, o contato com a agressividade positiva*, tanto a sua quanto a do
outro, possibilita a afirmação de sua identidade no grupo. Assim ela
pode se sentir capaz de defender a si, ao seus objetos, ao seu espaço
para, enfim, viver o prazer, assumir seu desejo e, consequentemente,
elevar sua autoestima”, diz Vieira.
Obesidade infantil: os pais como vilãos
A
obesidade infantil é um problema multifatorial. A nutricionista Ana Carolina Hingel (
https://www.facebook.com/anacarolinanutricionista?fref=ts) destaca que o risco de desenvolver
obesidade na infância
começa desde a gestação, quando a mãe se deixa levar pela fome e
engorda demasiadamente; o tipo de parto – “até isso está relacionado a
um organismo saudável para a criança!” -, o aleitamento materno etc.
“Quanto mais cedo o bebê é retirado do ‘peito’, mais chances essa
criança terá de desenvolver
obesidade no futuro.”
Além
disso, a alimentação vai além de uma necessidade biológica, segundo
afirma a psicóloga especialista e mestre em Psicomotricidade Relacional
Ana Elizabeth Luz Guerra, do Ciar: “ela possibilita que exista uma
vinculação entre pais e filhos, na medida em que se configura numa
comunicação profunda entre eles que se inicia já nos primeiros momentos
da vida”. O choro causado pela fome passa a ser acompanhado pelo desejo
de estar com o outro em uma dinâmica que segue por toda a vida e que
passa a ser celebrada ao redor da comida. Ana lembra que cozinhar para
um filho, mesmo adulto, pode significar um gesto de amor e o filho, ao
desfrutar dele, simbolicamente, recebe o amor de seus pais.
O problema acontece quando os pais passam a estimular as crianças a vincularem carinho ao alimento“Há
casos em que a família acaba superalimentando a criança para preencher
uma falta na relação, seja de tempo ou de afeto”, diz Ana Elizabeth, “os
pais, às vezes, se sentem culpados por algum motivo e equacionam uma
lógica de que nada pode faltar e, dessa forma, enchem a criança de
brinquedos, comida e permissividade”. Com esse comportamento, os pais
acabam desencadeando problemas de comportamento e até de saúde nos
filhos, pois acabam permitindo que a
obesidade chegue e se instale na vida dos pequenos, com todas as suas consequências.
O
excesso de proteção, assim como sua falta, são ruins para o
desenvolvimento infantil, pois coloca a criança numa relação de
dependência afetiva. Ana Elizabeth lembra que os pais podem ter
dificuldade para frustrar os filhos também na hora de escolher o que
comer e, assim, a criança decide o que vai ingerir e acaba desenvolvendo
hábitos alimentares pouco saudáveis.
Algumas famílias se orgulham de uma
criança obesa,
pois ela representa “fartura”, enquanto outras têm noção dos danos, mas
não conseguem impor limites. Há casos ainda em que os pais apresentam
um relacionamento conturbado com a alimentação e acabam transmitindo
isso aos filhos, que os imitam. “Muitos pais só percebem a dimensão do
problema depois que a criança apresenta alergias, intolerâncias e
alterações clínicas e laboratoriais importantes. Aí entramos com o
tratamento”, diz Ana Carolina.
Criança na balançaAté
algumas décadas a ideia de que crianças poderiam fazer dieta era algo
inconcebível. Apenas aquelas com alergias e intolerâncias é que seguiam
regras mais específicas em relação à alimentação. Todavia, com a mudança
no estilo de vida das famílias, a
obesidade se tornou
um problema mundial e um risco para a saúde de crianças de ambos os
sexos, tornando a dieta uma alternativa para o tratamento da turminha.
Ana
Carolina conta que a dieta, para crianças, funciona mais como uma
educação alimentar para ensiná-la o que é comer de forma saudável. Há
uma substituição dos alimentos que levam ao aumento de peso por outros
mais nutritivos. “Gosto de fazer trocas inteligentes e saudáveis. A
restrição total é muito difícil nessa fase da vida, até porque esta
criança terá contato com alimentos muito ricos energicamente e pobres
nutricionalmente em festinhas no colégio e com os amigos. E não
precisamos restringir nada completamente, apenas, claro, em casos de
intolerâncias, alergias e disfunções”, explica. A criança precisa
entender porquê algumas substituições estão sendo feitas para que a
dieta seja bem-sucedida.
O papel dos pais e dos educadores com a obesidade infantilMuitas
crianças reclamam do sabor e da textura de frutas, verduras e legumes –
alimentos essenciais em qualquer dieta. Para eles, Ana Carolina indica o
auxílio dos pais, que devem dar o exemplo: “se os pais não comem esse
tipo de alimento, por que a criança deve comer? Fora que é importante
explicar a importância de cada um deles para a saúde, dizendo o que é,
quais vitaminas têm e o que acontece quando há a falta dessa vitamina”.
“A
alimentação familiar é fundamental para a criança adquira bons hábitos.
A relação dos pais com a comida e a consciência de que podem estar
contribuindo positivamente ou negativamente para a saúde do filho deve
ser investigada”, diz Ana Elizabeth. A família deve buscar auxílio
profissional multidisciplinar, com terapeutas, médicos e nutricionistas
para ressignficar sua relação com a comida e com o ato de alimentar os
filhos e para ajudar a criança a se encontrar.
As escolas
deveriam ter aulas de educação nutricional para ajudar a conscientizar
as crianças da importância de uma alimentação equilibrada
A
nutricionista lembra que algumas cantinas já substituíram os salgados
fritos e os refrigerantes pelos sucos e salgados assados e há escolas
que proíbem os alimentos altamente calóricos nas lancheiras. “Porém esse
conceito ainda não está completamente disseminado e há pouca oferta de
alimentos realmente saudáveis para uma substituição inteligente.”
Vieira
reforça ainda da importância de conscientizar os pais da necessidade de
incluir as atividades ao ar livre nos programas familiares para que os
pequenos não se tornem sedentários.
Ana Elizabeth conclui destacando que
“em meu trabalho clínico com a Psicomotricidade Relacional percebo um
aumento significativo de crianças com dificuldades emocionais
relacionadas à obesidade. A imagem que tem si, muitas
vezes distorcida, contribui para um quadro de isolamento em que ela nega
o que mais deseja, que é interagir com os demais. Dessa forma, é
importante que a família, a escola e todos que se relacionam com a
criança estejam atentos aos seus comportamentos sintomáticos, pois são,
em geral, mensagens endereçadas aos outros e que ela, sozinha, não
consegue decifrar”.
*Segundo André Lapierre, criador da Psicomotricidade Relacional, a agressividade é um dos componentes da pulsão de vida.