Esporte EscolarNas salas de aula, nas quadras, nos seminários, encontros e debates, o esporte está sempre na pauta das discussões. Sejam essas de cunho informal, como a que observamos nos comentários e análises dos torcedores brasileiros após um intenso final de semana esportivo; ou revestido de um caráter mais formal, onde as análises são mais aprofundadas, com o intuito de entender determinado fato esportivo ou o seu influxo no dia a dia. Nessas discussões, geralmente, o tema "esporte" gira em torno de questões, como: - O esporte é o ópio do povo?
- O esporte é capaz de promover, naquele que o pratica, uma certa consciência crítica, ou ele, por si só, da forma como se encontra estruturado, é um elemento a mais a forjar indivíduos aptos a exercerem os seus papéis frente ao nosso sistema econômico?
- A quem serve o esporte?
- A violência que graça os palcos esportivos traduz, de alguma forma, a falência do sistema político onde o esporte está inserido?
- Pode o esporte, em uma sociedade de estrutura de classe burguesa, transformar-se em um fator contra-ideológico dessa sociedade?
- É o esporte um instrumento de transformação ou de dominação?
Todas essas e outras indagações permeiam atualmente as discussões sobre o esporte entre aqueles que estão preocupados com o rumo do mesmo, no interior das escolas brasileiras - sejam elas públicas ou privadas.
Esporte: fenômeno social
Esse debate, que se iniciou efetivamente no início da década de 80, tem levado alguns professores de educação física a se questionarem e a tomarem determinadas decisões, repensando a sua metodologia e promovendo uma transformação substancial no ensino do esporte na escola.
Ao visitarmos algumas escolas de Salvador, fica mais do que evidente, que a afirmação supra-citada ainda não corresponde à totalidade dos professores.
No entanto, percebe-se uma tentativa efetiva por parte de uma pequena parcela dos docentes em fazer, da sua aula, um momento de desenvolvimento das potencialidades humanas amplas, onde elementos como o mercantilismo do esporte, a violência das torcidas organizadas, dos jogadores em campo, a discriminação dos negros e da mulher, só para citar alguns exemplos são partes integrantes da metodologia de alguns professores da rede pública de ensino da referida cidade.
Nesse sentido, o professor de educação física, tendo em vista a importância que assume o esporte como conteúdo das suas aulas, precisa refletir cotidianamente sobre a sua ação docente, quando da intenção de fomentar esse fenômeno social, que nos últimos tempos tem assumido uma dimensão bastante significativa em todo o mundo, despertando paixões, emoções e interesses diversos.
E é justamente a dimensão educacional sobre a ótica da concepção histórico-crítica que precisa ser cada vez mais valorizada no universo escolar, onde o esporte envolve-se em uma roupagem performática, priorizando os talentosos em detrimento dos "pernas-de-pau", criando:
uma espécie de dupla pedagogia, pela qual um grupo de alunos, minoritários, está submetido a uma proposta inspirada no esporte de alto rendimento, enquanto o restante, que é a maioria, é desconsiderado pela escola.
Restringe, portanto, o professor, a abordagem do esporte em sua dimensão de performance, enfatizando as questões técnicas, aproveitando apenas aqueles alunos que já as dominam, que já sabem o esporte.
Nesse sentido, o esporte é ensinado de forma descontextualizada, os rumos da ação pedagógica são caracterizados pela insistência na abordagem do esporte de rendimento, buscando sempre a otimização dos movimentos técnico-gestuais, onde não se leva em consideração o ritmo de cada aluno.
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Se quisermos mudar essa característica de abordagem do esporte escolar, temos de ter consciência do tipo de homem que queremos formar e do tipo de sociedade que queremos ter.
Sem essas idéias claras, será difícil uma prática consciente e transformadora.
Assim, vale ressaltar, que se faz necessário saber quais os valores que intrinsecamente estão sendo abordados e reforçados no bojo do ensino do esporte na escola.
A dimensão multifacetária do esporte
O esporte moderno, oriundo da burguesia inglesa do século XIX, que, ao longo do tempo, foi criando características próprias onde a especialização, a busca de rendimento e a mercantilização, dentre outros aspectos, aparecem, atualmente, como sendo suas marcas principais, transforma-se a cada dia que passa pela sua abrangência e relações em um fenômeno transnacional, que envolve diferentes classes, raças e crenças, despertando paixões e emoções diversas.
A estruturação do esporte moderno, a partir de elementos característicos das sociedades capitalistas, favoreceu algumas críticas por parte daqueles que o viam como um dos instrumentos de dominação burguesa. Esses autores compreendem, que
Pelas regras das competições, o esporte imprime no comportamento, as normas desejadas da competição e da concorrência; as condições do esporte organizado ou de rendimento são, simultaneamente, as condições de uma sociedade de estruturação autoritária.
O ensino dos esportes nas escolas enfatiza o respeito incondicional e irrefletido às regras e dá a estas um caráter estático e inquestionável, o que não leva à reflexão e ao questionamento, mas sim ao acomodamento.
Devido a tais afirmações e entendimento, que Bracht (1992) considera como disfuncionais do processo de socialização através do esporte, muitas críticas ao esporte foram construídas pelo alto comando soviético após a revolução de 1917, pois, o mesmo, entendia-o como um divertimento de base burguesa.
Essas considerações nos permitem perceber que existem diferentes conceitos e entendimentos sobre o esporte, e que esses determinam o seu caráter de utilização em diferentes estruturas sociais, pois o esporte...
(...) assim como outras esferas sociais, tais como a educação, a saúde, a comunicação etc., não possui poderes mágicos para existir independentemente das relações entre os sujeitos que as tornam reais, concretas e objetivas.
Portanto, o primeiro passo para compreender o esporte em uma dimensão multifacetada, é pensá-lo como algo real, que sofre influência do meio externo e das pessoas que o praticam.
O segundo passo, é compreendê-lo de forma ampla, não o restringindo a sua dimensão social em apenas um tipo de abordagem: o esporte de rendimento.
Essa dimensão sócio-cultural do esporte é a que mais está evidente na prática esportiva escolar, onde o professor de educação física, em busca de uma valorização profissional, que por sua vez é medida pelos números de torneios vencidos, medalhas adquiridas ou de troféus erguidos, deixa de considerar alguns elementos essenciais para a estruturação de uma aula realmente educativa, contra-hegemônica, reforçando a competição exacerbada e a discriminação através da seletividade e do individualismo.
Nas universidades, berço de formação dos professores que vão atuar com o esporte na escola, essa cultura esportiva é alimentada de forma sistemática. Muitas vezes, nas próprias academias, o esporte não é pensado criticamente e nem valorizado enquanto elemento da nossa cultura corporal. Ao contrário, os alunos dos cursos de licenciatura e bacharelado em educação física trazem, em sua história de vida, elementos do esporte de rendimento praticados por eles antes de ingressarem na universidade e esta, com a sua prática irrefletida, reforça esses movimentos corporais estereotipados, estendendo-o à escola.
E é no ambiente escolar que os maiores equívocos são cometidos por parte dos professores, que enfatizam a eficiência, eficácia e rendimento. São por essas e outras questões que quando perguntamos a algumas pessoas o que elas vêem de essencial no esporte, as respostas são quase sempre vazias de significados. Não sabem responder, por exemplo, o que de importante elas aprenderam no vôlei ou no basquete, que não tenha sido apenas relativo aos gestos técnico-esportivos. Sem falar naqueles que se sentiram totalmente à margem do processo, por não terem as habilidades imprescindíveis à prática do esporte escolar.
Esporte escolar: aprendizagem significativa-existencial-coletiva
Praticamos muito esporte, mas refletimos pouco sobre ele e sobre os conteúdos que dele emergem. O racismo, o individualismo, a ética, a passividade, a inércia, a violência, a agressividade e tantos outros fatores que surgem na sua prática, são pontos considerados relevantes para uma discussão com os alunos no interior da escola, mas o que tem sido feito?
Apenas transmitem-se técnicas e estilos de ensino do esporte aos alunos, fazendo com que eles aprendam um esporte e não com o esporte, em uma abordagem eminentemente tecnicista, elitizando uma parcela do alunado.
No entanto, essa postura seletiva, elitista e discriminadora tem que se transmudar em uma temática socializante, pois...
(...) cabe ao professor engajado na luta mais ampla, que excede o âmbito da escola e do sistema de ensino, escolher entre fazer de sua ação pedagógica um instrumento que apenas reproduz as violências educacionais (desigualdades, discriminação, preconceitos, etc) ou torná-la uma poderosa arma de negação desta caótica situação. (CARMO, 1985, P. 39).
Para que isso aconteça, é necessário que os professores estejam sempre alertas para os acontecimentos do dia a dia como fatores de enriquecimento dos conteúdos, nesse caso, o esporte.
É preciso fomentar a crítica, questionar o cotidiano.
Porque não, como propõe Pey (1991), no bojo de uma aprendizagem significativo-existencial-coletiva, vertermos a nossa crítica para o vivido aqui e agora, interpretando e questionando a realidade que nos circula?
Aqui, pode-se relembrar o que aconteceu após a Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos da América, onde aconteceu o episódio da Seleção Brasileira a respeito dos produtos que os jogadores traziam em suas bagagens.
Produtos esses que, de acordo com a Lei, deveriam ser taxados devido ao excesso de peso, porém nada aconteceu.
O fato teve grande repercussão na imprensa falada e escrita e alguns questionamentos surgiram: liberam ou não o imposto? Todos pagam impostos no Brasil? O fato de os atletas serem tetra-campeões lhes davam o direito de exigirem isenção?
O referido fato trouxe à tona esses e outros questionamentos. Não seria o caso de se refletir mais profundamente com os alunos sobre esta situação ou outra, trazendo às aulas elementos do próprio cotidiano?
Poderiam ser solicitadas entrevistas ou algo que o valha, opiniões dos familiares e amigos sobre o assunto, culminando em debates e seminários em sala de aula.
Na Copa da França tivemos a denúncia de jornalistas a respeito da interferência de uma famosa marca de tênis sobre a Seleção Brasileira.
O que está sendo feito com esses elementos que permeiam a prática não só do futebol, mas do esporte de uma forma geral?
É uma pena constatar que muitos professores, segundo Carmo (1985), assistem passivamente pela televisão as violências nos campos de futebol, os subornos, os artifícios espúrios de que alguns dirigentes lançam mão para vencerem, e nem sequer aproveitam estas condições para despertar nos alunos o senso crítico, na busca dos determinantes destes fatos!
Conteúdos temáticos: proposta metodológica
As reflexões levantadas até aqui apontam para um nível de compreensão do esporte a partir da perspectiva histórico-crítica, onde a busca dos gestos esportivos performáticos não sejam o essencial na nossa ação educativa. Um elemento tão rico em significados, não deveria ser colocado em um plano tão reduzido.
No cotidiano das aulas de educação física, é perceptível uma prática reprodutora do esporte de rendimento que é vivenciado na mídia televisiva: esgota-se em cada aula para ser, na próxima, mais uma vez reproduzida, sempre com um fim si mesma.
E é no sentido de superação dessa realidade, que se propõem alguns temas na intenção de subsidiar as aulas.
As propostas que serão apresentadas aqui, foram estabelecidas a partir de discussões com alguns colegas da área, em cursos que tive a oportunidade de ministrar e no cotidiano escolar:
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Permitir a exploração de gestos e movimentos diversos na resolução de problemas apresentados pelo professor. Exemplo: 1- O que é arremesso? 2- Quais os tipos de arremessos que podem ser feitos? 3- Existem outras formas de arremessar? 4- Em que outras situações do cotidiano utilizamos o arremesso?;
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Partindo do esporte já normatizado, perguntar: 1- Todos podem fazer parte desse esporte? 2- O que impossibilita a participação de todos? 3- Podemos mudar as regras?;
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Dentro da perspectiva de que os alunos trazem consigo histórias próprias de movimentos esportivos, permitir que eles proponham a sua forma de utilização;
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Abordar os fenômenos esportivos e as questões mais amplas que envolvem o esporte, tais como: a violência das torcidas organizadas, o papel dessas torcidas no espetáculo esportivo, a "charanga", as músicas cantadas, os subornos, o doping , a discriminação racial entre outros em forma de seminários, envolvendo toda a escola;
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Abordar as mudanças que o esporte sofreu ao longo do tempo. Se possível, vivenciar essas mudanças;
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Experimentar a vivência de diferentes materiais em atividades semelhantes, observando e discutindo as dificuldades sentidas pelo grupo;
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Elaborar seminários, através de pesquisas sobre diversos temas relativos ao esporte;
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Desenvolver painéis alusivos ao tema que estiver sendo trabalhado em aula, espalhando pela escola;
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Desenvolver olimpíadas inter-salas e/ou escolares onde os alunos participem na estruturação das mesmas, inclusive nas modificações das regras dos jogos onde a tônica deverá ser a participação de todos.
Conclusão
Os pontos abordados são formas metodológicas que podem ser utilizadas nas aulas, respeitando a faixa etária do aluno, bem como a sua realidade.
É importante que o professor fique atento para o surgimento de outros conteúdos temáticos na dinâmica da sua aula, para que, desta forma, o fenômeno esportivo ganhe mais sentido e significado no cotidiano escolar.
Observar o esporte e as suas relações com o mundo que o cerca, e permitir uma compreensão crítica do mesmo junto com o aprendizado dos movimentos gestuais que possibilitem o jogar, é o mínimo que se espera do professor de educação física.
Referência bibliográfica
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BRACHT, Valter. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre, Magister, 1992.
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CARMO, Apolônio Abadio do. Educação Física: Competência Técnica e Consciência Política: em busca de um movimento simétrico. Uberlândia, UFU, 1985.
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PEY, Maria Oly. Reflexões Sobre a Prática Docente. São Paulo, Edições Loyola, 1991.
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RIGOR, Luiz Carlos. A Educação Física fora de forma. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Santa Maria, UNIJUÍ. Vol. 16, Nº. 02, 1995, p. 82-93.